O vinho do Porto
é um ícone da vitivinicultura portuguesa. E o Douro, uma região vinhateira
símbolo no norte de Portugal, a primeira área de vinhos a ser demarcada no
mundo. Foi a partir da Fundação da Real Companhia Velha, em 1756, que a demarcação, promovida pelo Marquês de Pombal, aconteceu
na região. Uma iniciativa que marcou um divisor de águas na produção de vinhos,
na Europa. Uma forma de garantir a autenticidade, tipicidade e a qualidade de
uma área produtora. E seus vinhos, é claro! Nessa postagem, você poderá ver com
alguns detalhes o que é o Douro e como aconteceu a demarcação.
O Douro
A história do
Douro é muito antiga. O Vale do Douro foi cavado na rocha pela ação da erosão.
Apesar de ser mais famoso em solo português, o Douro nasce na Espanha, na
província de Sória, nos picos da Serra do Urbião, na região de Castilla Y Leon.
Ali, se chama Duero e empresta seu nome a uma importante denominação espanhola
de vinhos, a Ribera del Duero. No entanto, a característica dos vinhos da
Ribera é diferente dos vinhos do Douro. A diferença começa pelos solos. Na
Espanha, as videiras crescem sobre solos majoritariamente calcários e arenosos,
diferentes do solo de xisto das margens portuguesas.
A estrutura
rochosa que forma as encostas do Douro português data de cerca de 600 milhões
de anos. Dentro dessa geografia, com clima extremo de dias extremamente quentes
e noites frias, nasceu a região vitivinícola do Douro, uma obra dos homens. Ali
já se faziam vinhos entre os séculos III e V. Mas a história da bem sucedida da
região começou há cerca de três séculos.
O nascimento, no
Vale do Douro, da primeira região demarcada de vinhos do mundo foi um marco na
história da vitivinicultura global. A partir do Douro, nasceram outras regiões
demarcadas de vinhos pelo planeta. Uma prática hoje materializada nas
Denominações de Origem Controlada, as DOCs, uma importante referência na
classificação dos vinhos europeus. E que agora começa a chegar ao novo mundo.
A Real Companhia Velha
Visitei, em Vila
Nova de Gaia, a Real Companhia Velha. A empresa, inicialmente conhecida também
como Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Auto Douro, foi criada no dia
10 de setembro de 1756, por alvará Régio do Rei D. José I. Ela nasceu sob o
comando do então primeiro-ministro português, Sebastião José de Carvalho e
Mello, o Marquês de Pombal. A companhia reunia os principais lavradores do Alto
Douro e os chamados “homens bons” da cidade do Porto. Sua função era sustentar
a cultura da vinha na região do Douro e garantir a qualidade do vinho do Porto,
muito consumido, à época, pelo mercado inglês.
A partir da
criação da companhia se fez a demarcação da região do Douro. Entre os anos de
1758 e 1761 foram colocados, nas propriedadas do Douro, 335 marcos de pedra com
a designação Feitoria. Os vinhos de Feitoria eram os produtos de melhor
qualidade, os DOCs da época. Só eles podiam se exportados para a Inglaterra. Na
entrada da sede do Instituto do Vinho do Porto, na cidade do Porto, há um marco
pombalino em exposição, igual àqueles utilizados na época da demarcação. Em
1907, a demarcação foi estendida ao Douro Superior.
A Região Demarcada do Douro
Hoje a região
demarcada do Douro se estende por uma área de 250 mil hectares. As videiras
frutificam em pouco mais de 18% desse território. Elas somam cerca de 46 mil
hectares, divididas pelas sub-regiões do Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro
Superior. Os vinhedos mais antigos, cerca de 24 mil hectares, construídos sob
patamares, são considerados patrimônio da humanidade.
Nesses patamares
frutifica uma grande diversidade de uvas. O número gira em torno de uma centena
de castas. No entanto, 29 são recomendadas na produção dos vinhos locais. Entre
as tintas, as mais importantes são a Tinta Roriz, Touriga Franca, Tinta
Amarela, Tinto Cão, Tinta francisca, Bastardo e a Touriga Nacional, esta ultima
cultivada em todo o país. Entre as brancas, Viosinho, Rabigato, Malvasia Fina,
Gouveio e Esgana Cão. Há muitos vinhedos mistos na região, com castas variadas
plantadas no mesmo vinhedo. Uvas, inclusive, desconhecidas. Uma vez o produtor
Domingos Alves de Sousa contou-me que tem, num de seus vinhedos, uma uva branca
que desconhece. A ela deu o nome de Branca sem Nome. Isso torna o fator microterroir muito importante. Muitas quintas produzem vinhos únicos, em função desses
vinhedos antigos, compostos por diversas variedades.
Do império para o mercado
A Real Companhia
Velha manteve-se vinculada ao estado português por outros cinco reinados. Em 7
de dezembro de 1865, ela perdeu seus chamados privilégios majestáticos e
tornou-se uma empresa normal. Mas leva consigo a história, dentro dos velhos
tóneis e barricas que guardam o ouro do Douro. O armazém da Real Companhia
Velha é um local onde se respira o Douro. As fileiras de barricas guardam
os Portos colheitas, portos com idades e os Vintages, os grandes vinhos
safrados. Pelas janelas do armazém, a luz oferece uma claridade tênue, o
necessário para iluminar, sem interferir na cor dos vinhos. Segundo os atuais
proprietários a vinícola é a mais antiga em operação em Portugal.
As garrafas dos
vinhos do Porto da Real Companhia Velha guardam o glamour dos velhos tempos.
Uma empresa que hoje tem seis propriedades em Portugal: Quinta das Carvalhas,
Quinta do Cidrô, Quinta dos Aciprestes, Quinta do Casal da Granja, Quinta do
Síbio e Quinta do Corval. Ao todo, são 550 hectares de uvas próprias, com as
quais são produzidas 8 milhões de garrafas de vinhos do Porto e Douro DOC,
exportados para mais de 40 países, entre eles o Brasil. Para isso, a empresa
tem cerca de 200 marcas registradas. Vinhos, alguns deles, bastante conhecidos
dos brasileiros. Entre eles, o Porca de Murça e o Grandjó.
Primeira importação em 1756
A Real Companhia
Velha tem uma antiga relação comercial com o Brasil, atualmente o melhor
mercado fora da Europa para os vinhos da empresa. A primeira importação para o
Brasil, para o Rio de Janeiro, aconteceu em dezembro de 1756, no mesmo ano de
fundação da vinícola. Portanto, uma história de 257 anos.
“No Brasil houve
um crescimento significativo do vinho do Porto na última década. Só no ano
passado é que as vendas caíram um pouco”, informa Pedro Silva Reis, presidente
da Real Companhia Velha. Depois de uma venda recorde registrada no início da
década de 2000, as vendas desse produto vêem apresentando uma pequena queda. No
entanto, têm caído menos que outras bebidas congêneres, observa o produtor. “O
que nos deixa bastante entusiasmados para que brevemente possa haver uma
retomada”, afirma Reis.
A queda, no
entanto, acontece nos produtos básicos das linhas Ruby e Tawny. “Dentro das
categorias especiais, de gama média e reserva, tem se verificado alguns
crescimentos importantes que, de certo modo, têm compensado a queda”, continua
Pedro Silva Reis. Entre as categorias que cresceram estão o LBV e os reservas
Tawny e Ruby. Já na categoria Douro DOC, onde estão os vinhos tranquilos
brancos e principalmente tintos, as vendas vão bem. “A Real Companhia
Velha tem muita tradição no Brasil”, conclui o produtor.
Vinhos
Provei os vinhos
do Porto e alguns vinhos tranquilos, durante um almoço na Real Companhia Velha,
onde estive em junho deste ano a convite do projeto Douro/Estrela. A seguir as
notas de prova de três vinhos.
Foto de João Lombardo
Quinta do Cidrô Alvarinho Douro 2012
Composição: 100%
Alvarinho.
Teor alcoólico de
13%.
A Alvarinho é uma
novidade no Douro. Esse vinho de cor palha dourada mostra uma agradável
composição aromática de frutas amarelas, inclusive frutas tropicais, notas
florais e minerais.
Tem uma boca com
acidez muito gostosa, cheia e frutrada. Além da mineralidade. Não fica atrás
dos Alvarinhos do Minho e mostra que a casta, típica de regiões mais úmidas,
pode se dar bem também em climas extremos.
Carvalhas 2010 DOC Douro
Composição: Viosinho,
Gouveio, Rabigato, Vinhas Velhas.
Teor alcoólico:
14,5%
Vinho de cor
amarelo dourado. Aromas de frutas amarelas maduras, notas de especiarias como o
gengibre, toques minerais.
A boca é fresca,
mineral, com boa sapidez, longa e equilibrada.
Quinta dos Aciprestes 2007 DOC Douro
Composição:
Touriga Nacional e Touriga Franca.
Vinho de cor
rubi/rubi. Nariz com aromas de frutas vermelhas maduras, floral de violeta,
especiarias doces, notas de chocolate e minerais. Nariz complexo.
Boca com
agradável acidez, sápida, com taninos finos. Vinho muito equilibrado.