Vinhedos da Vik, em Milahue, Colchagua (foto de divulgação)
A vitivinicultura chilena vive um período de
grande movimentação e transformações, mudanças que se intensificaram nos
últimos cinco anos. País de vitivinicultura tradicional, com mais de 450 anos,
os produtores andinos decidiram, neste milênio, investir em novos estilos de
vinhos. Eles começaram a plantar uvas em regiões mais frescas, áreas costeiras,
vales extremos e zonas aos pés da cordilheira dos Andes. Os resultados estão
sendo vistos em vinhos com maior expressão de fruta e menores teores
alcoólicos, por exemplo. E em varietais como Sauvignon Blanc, Pinot Noir,
Carignan, Petit Verdot e Syrah,
castas que até meados da década passada tinham pouca ou nenhuma expressão no
país.
“A tendência no Chile, hoje, é buscar zonas
diferentes. Atualmente, as zonas frias estão em alta, principalmente aquelas
próximas à costa”, afirma Joana Pereira, enóloga da viña Bisquertt Family
Vineyards. Localizada no Vale de Colchagua, a empresa cultiva as castas clássicas
francesas e produz as linhas de vinhos Petirrojo Reserva, La Joya, Ecos de Rulo
Single Vineyard, o corte Clay Syrah/Cabernet Sauvignon e o Tralca, um corte de
Cabernet, Carménère e Syrah. Até quatro anos atrás, La Joya era a única marca
da empresa. Mas a Bisquertt está investindo forte nesse novo momento.
Na centenária Errazuriz não é diferente. A
empresa, responsável por marcas importantes como Seña, Aborleda, Viña Chadwick
e Caliterra, além da própria Errazuriz, atravessa uma fase de mudanças, nas
palavras do enólogo Pedro Contreras. “Está havendo uma evolução e uma revolução
no Chile. Está ocorrendo a busca por lugares extremos para produzir vinhos de
caráter”, afirma. Para Contreras, aconteceram mudanças importantes nos últimos
três anos, no país. Essas mudanças estão alterando o perfil de parte dos vinhos
chilenos, normalmente muito estruturados e marcados pelas notas vindas das barricas
novas de carvalho. Estudos de solo estão dentro dessa fase de aprendizado,
nesse novo momento. Assim como a melhor utilização da irrigação, das barricas
etc.
Na também centenária Viña Santa Carolina, além
da aposta nos vales mais frescos, está se investindo na renovação de castas
antigas, como a Carignan. A vinícola tem no mercado seu Santa Carolina Dry
Farming Carignan 2009, elaborado com uvas do Vale de Cauquenes. Os vinhedos
estão a 450 km ao sul de Santiago, no chamado “secano costeiro”. As vinhas são
antigas, têm cerca de 70, 80 anos e não são irrigadas. Elas também não têm
condução, são pequenos arbustos, chamados de vaso, na Espanha, ou alberello,
na Itália. O resultado é um vinho muito fresco, repleto de frutas
vermelhas, notas de pinheiro e especiarias doces. Um vinho frutado, em boca,
com corpo agradável e taninos leves.
“Essa é uma variedade potencial. Mas a produção
é muito pequena. É, portanto, um vinho para mercados diferentes”, afirma o
enólogo Iván Martinovic T, da Santa Carolina. A vinícola também investe em um
vinho de Mourvèdre e ainda nas castas Syrah e Petit Verdot, como varietais.
A Via Wines, no Vale do Maule, é outra empresa
que busca dar vida nova à uva País, também conhecida como “Criolla” na
Argentina. A bodega tem um varietal sob o rótulo Chilcas feito com a uva
cultivada no interior do Vale do Maule. A casta, que seria a mesma Listán
Prieto espanhola, foi introduzida no Chile no século XVI. E hoje é tratada como
uma uva dos velhos tempos. “Queremos recuperar essa variedade, para fazer um
vinho que seja rico”, afirma o enólogo chefe da bodega, Camilo Viani. O vinho produzido
com ela é agradável, frutado, com sutis notas de especiarias como a pimenta e
toques terrosos. Tem boa acidez, médio corpo e taninos presentes, sem serem
agressivos. O resultado ficou bom. Miguel Torres, nome famoso na
vitivinicultura chilena, também tem um espumante à base de País. Empresas
quebrando o preconceito, provocando uma reviravolta na viticultura de seu país.
Em outra vinha muito antiga, a Santa Rita, a
enóloga Cecília Torres afirma que o Chile tem grande potencial para fazer
coisas diferentes. “Estamos como os adolescentes, numa busca constante. E vai
chegar uma hora em que atingiremos a maturidade. E então teremos uma
personalidade Chile”, afirma a enóloga. Ao comentar sobre a volta da Carignan,
ela disse achar interessante os vinhos dessa casta produzido em áreas
costeiras. Cecília acredita haver espaço para outras uvas no país. Por exemplo,
para castas portuguesas. Segundo a enóloga, o sul do Chile é uma direção
importante para os viticultores. “Temos que nos mover para lá”, sugere.
Apesar de falar em novas uvas, Cecília Torres
faz questão de mencionar a casta da tradição chilena, o Cabernet Sauvignon.
“Trata-se de uma uva muito completa e complexa. Uma casta de muita elegância e
potencial para envelhecer, que pode parar em qualquer mesa do mundo”. Essa é
uma grande uva para a Santa Rita, que gera vinhos que contruíram o nome e o
prestígio da casa. E também para o Chile. O Cabernet Sauvignon chileno é um
vinho com personalidade própria, agradável, com caráter. O que não impede as
empresas de investirem em outras uvas e ousar.
Até mesmo o Carménère é alvo de mudanças. Casta
que gera vinhos com notas remetendo a frutos maduros, especiarias e toques
vegetais, algumas bodegas estão produzindo Carménères mais frescos, com fruta
viva e praticamente sem o tradicional herbáceo que faz parte do perfil
organoléptico dos vinhos. É o caso da Viña Maquis, localizada no Vale de
Colchagua. Os 140 hectares de vinhedos da empresa estão localizados entre os
rios Tinguiririca e Chimbarongo. “É um lugar único. Os solos têm alto conteúdo
de argila com gravas, que asseguram excelente drenagem”. afirma Ricardo
Rivadeneira Hurtado, enólogo e diretor da empresa. Segundo ele, essa condição permite à uva Carménère
amadurecer mais cedo e, portanto, ser colhida também mais cedo. No Chile, a
Carménère costuma ser colhida até maio. Na Maquis, a colheita ocorre em março.
“Aqui os Carménères são especiais”, acrescenta
Hurtado. “A maioria dos Carménères do Chile está representada por vinhos maduros,
com taninos redondos e gosto mais a geléia do que a fruta fresca. No nosso
caso, buscamos vinhos frescos, com mais aromas frutados e florais, grau
alcoólico menor e acidez natural um pouco mais elevada”, afirma o enólogo. Um
estilo de Carménère diferente.
Patrick Valette (ex-Château Pavie) e Gonzague
de Lambert (ex-Château de Sales) estão trabalhando na produção de um vinho de
alta qualidade no Vale de Cachapoal, o Vik. Uma vinícola de propriedade do
empresário norueguês Alexandre Vik, instalada dentro de uma área de 4.325 hectares.
Um vinhedo de 390 hectares que, para ser plantado, aguardou a realização de
4.500 perfurações, em diferentes áreas da propriedade, para análises de solo. O
objetivo era encontrar os melhores microterrenos para cultivar cada variedade.
Ali estão plantados Cabernet Sauvignon, Carménère, Cabernet Franc, Merlot e
Syrah. Uvas utilizadas na produção do Vik, um vinho de assemblage elaborado
através de uma vitivinicultura de precisão.
“O Chile tinha vinhos mais industriais,
necessários. O país ofereceu e oferece muitos bons produtos, por preços
razoáveis. Mas, ao mesmo tempo, o Chile está passando por uma evolução”, afirma
Patrick Valette. O enólogo comenta que todo mundo está acostumando a olhar o
Chile de Norte a Sul. Ele prefere ver o país de Leste a Oeste. Ou seja, analisar
o país vitícola sob o ponto de vista da influência do Oceano Pacífico e da Cordilheira
dos Andes sobre as vinhas. Para o enólogo, essa influência é mais importante
para a vitivinicultra, a que faz a diferença no quesito terroir.
Patrick Valette afirma que, hoje, os
profissinais do vinho no Chile respeitam muito mais o conceito de terroir que no passado. “Eu diria que
hoje há um conhecimento e uma prática do conhecimento”, afirma. Segundo ele, o
país se transformou num produtor muito estruturado e profissional. “O resultado
é um trabalho muito mais preciso do que no passado”. A Vik é um exemplo. E
também os vinhos de vinícolas que estão investindo nessa nova fase. Vinhos,
como se disse, mais frescos e frutados, menos alcoólicos, mais gastronômicos.
Um país vitivinícola consolidado, num processo de redescobrimento e transição.
(Matéria escrita por mim e publicada no jornal Vinho & Cia, na edição Inverno 2013)
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