sábado, 21 de agosto de 2010


A Argentina vitivinícola

Esse blog começa relatando uma visita à Argentina. Durante sete dias, este colunista percorreu vinícolas da Patagônia e Mendoza, num roteiro intenso e muito interessante. Duas regiões com características diferentes, com vinícolas estruturadas e modernas, produzindo vinhos particulares, típicos, identificados com os terroirs onde são cultivadas as uvas que dão origem a eles.

Essa série começa com um artigo que fala da Patagônia vitivinícola. Na Patagônia, visitamos sete vinícolas: Bodega Schroeder, Universo Austral, Bodega del Fin del Mundo, NQN, Noemia, Humberto Canale e Bodega del Rio Elorza. Esse artigo faz uma introdução às particularidades vinícolas da região. A partir dele, iremos falar das vinícolas visitadas e vinhos provados na viagem. Da Patagônia seguiremos para Mendoza. E dali, para tantos outro lugares onde houver bons vinhos.

Nos acompanhe nessa viagem!

João Lombardo



A Patagônia vitivinícola: impressões e relatos


Os álamos, na saída do aeroporto de Neuquén.


Mais do que vinhedos, uma presença constante na Patagônia argentina são os álamos. Alinhados em milhares de fileiras, os álamos esquadram e dividem terrenos plantados com maçãs, peras, cerejas, ameixas e uvas. As chamadas alamedas estão presentes em toda a paisagem patagônica. São vistas do alto, no avião, quando começam os procedimentos de descida para o aeroporto de Neuquém. Os álamos podem ser associados, resguardadas as devidas diferenças, aos pinheiros que marcam graciosamente as paisagens da Toscana, na Itália. Assim como os pinheiros da Toscana, os álamos, na Patagônia argentina, são uma assinatura regional.

As árvores foram plantadas, alinhadas lado a lado, com uma função: criar barreiras naturais para amenizar a força dos ventos que sopram constantemente sobre a Patagônia. Ventos que, quando fracos, ficam na faixa dos 20 km por hora. Mas que, em média, sopram a uma velocidade entre 50 km/h e 60 km/h, afirmam produtores de uvas, podendo chegar a 120 km, dependendo das condições metereológicas. Eles representam um problema para os pomares: podem arrancar os frágeis brotos das safras que começam a nascer. Em contrapartida, têm uma função altamente positiva e, contraditoriamente, protetora: ajudam a garantir a sanidade das uvas da Patagônia vitivinícola.


Uma produção pequena e notável, num mar de vinhos

Os vinhedos da Patagônia respondem por cerca de 2,5% da produção vinícola da Argentina, informam os vinicultores locais. Em 2008, a produção de vinhos no país, segundo dados da Organização Internacional da Uva e do Vinho – OIV, ficou em 15,4 milhões de hectolitros. Na Argentina, há 210 mil hectares plantados com videiras. Um total de 94% das uvas são destinadas à produção de vinhos e sucos. Os plantios estão distribuídos por 13, das 24 províncias argentinas. Entre as províncias destacam-se sete: Salta, Catamarca, La Rioja, San Juan, Mendoza, Neuquén e Rio Negro. As duas últimas respondem pela qualidade do vinho Patagônico.

Neuquén e Rio Negro formam a macro área vitivinícola da Patagônia. Ali estão plantados 4.417 hectares de vinhedos (1.523 ha em Neuquén e 2.894 ha em Rio Negro). Nas duas regiões há vinhedos de Sémillon, Sauvignon Blanc, Chardonnay, Merlot, Pinot Noir e Malbec e Cabernet Sauvignon.

A viticultura da Patagônia é a mais austral da Argentina. Os vinhedos ficam a 39 graus de latitude sul. A região não padece de problemas climáticos. Ali, são registradas temperaturas bastante frias no inverno (abaixo de zero) e no verão, na faixa dos 35 graus C (podendo chegar até 40 graus C, nos dias mais quentes, segundo produtores). A temperatura media anual, na região, fica entre 13,8 graus C e 18,3 graus C. A variação térmica entre dias e noites fica em torno dos 15 graus C.

As safras costumam ser regulares na Patagônia. A chuva é escassa, o que afasta problemas de umidade excessiva e podridões. As chuvas, segundo viticultores, não passam dos 200 mm/ano. A luminosidade é elevada, mais de 300 dias de sol por ano. Os únicos problemas climáticos são as geadas, no início da primavera, que podem queimar os brotos e prejudicar a safra vindoura; e os ventos, já citados.

Graças à conjugação de baixo índice pluviométrico e dias luminosos, a viticultura da Patagônia não padece de problemas fitossanitários. As uvas apresentam grande sanidade e, segundo os produtores locais, poderia se dizer que os vinhedos da região são naturalmente orgânicos. Some-se a isso o fator ventos. Se eles oferecerem risco na fase da brotação, fazem com que os frutos desenvolvam peles mais grossas e resistentes. E também secam rapidamente os frutos, depois das chuvas. A pele grossa aumenta a quantidade de antocianos e taninos nas uvas. O resultado se materializa em vinhos tintos de cor intensa e uma excelente estrutura tânica. Além da pele grossa funcionar como uma espécie de armadura para as uvas, pretegendo-as um pouco mais das possíveis pragas e insetos.

Durante o roteiro de visitas às vinícolas da Patagônia Argentina, no início de junho de 2010, conheci as características vitícolas dessa região árida e erma, que no passado foi habitada por dinossauros e hoje, além de frutas, é uma região com atividade petrolífera. Presenciei até mesmo uma chuva na Patagônia. Uma chuva que me fez entender ainda mais essa particularidade vitícola. Uma chuva rala, imperceptível aos olhos e aos ouvidos, que podia ser notada apenas no esfalto molhado e na fina camada de água que se formou sobre superfícies expostas ao tempo. A chuva que vi não durou mais do que uma hora e baixou os termômetros para 1 grau C, às 15 horas de uma terça-feira de junho.


Irrigação

Os vinhedos na Patagônia são irrigados por águas que viajam através de grandes canais. Eles são abastecidos pelas águas do rio Neuquén, Limay, Colorado e Rio Negro. Canais que cortam a paisagem patagônica, como é o caso do Cipoletti, com cerca de 180 km de extensão. O canal Cipoletti leva água até a região de Rio Negro. Um canal de águas límpidas, vital para a viticultura regional. Um verdadeiro rio artificial, com pontes e suaves paisagens ao redor.


Canal Cipoletti, que leva água para os vinhedos de Rio Negro.


Vinhedos em áreas planas

Os vinhedos estão plantados nas regiões planas, na Patagônia. A área tem grandes extensões de terra, vazias em grande parte. Os vinhedos estão plantados em altitudes de até 400 metros com relação ao nível do mar, bem abaixo de regiões como Mendoza, onde a altutide pode se aproximar dos 2 mil metros. Normalmente as vinhas estão na parte planda das mesetas. A meseta é um tipo de planalto. Elas estão protegidas por elevações do terreno. Quanto mais baixo o vinhedo, mais abrigado do vento estarão seus brotos e as uvas.


Vinhedo da Bodega Schroeder, plantado na área plana do terreno.

Bodega Universo Austral, também com os vinhedos na área baixa.


Neuquén e Rio Negro

Neuquém é a capital da província homônima, uma das quatro da Patagônia. Ali ficam quatro bodegas que visitei: Família Schroeder, Bodega del Fin del Mundo e Bodega Valle Perdido, em San Patrício del Chañar; e NQN em Añelo. As outras três províncias são Rio Negro, Chubot e Santa Cruz.

Rio Negro é outra importante área vinícola da Patagônia. A capital é Vievedma. Bariloche é a maior e mais visitada cidade de Rio Negro, famosa pelo turismo da neve. Entre as destacadas vinícolas patagônicas estão a centenária Humberto Canale, a Noemia e a Bodega del Rio Elorza. Em Rio Negro fica ainda a Bodegas Chacra.


Vinhos particulares

Os vinhos da Patagonia têm características particulares. Além da cor intensa, herdadas das peles mais grossas das uvas, os vinhos apresentam um caráter mineral, trazido pelo solo, rico em carbonato de cálcio. Esses sais podem ser vistos, à flor da terra, na região de Neuquén. Eles aparecem em forma de manchas esbranquiçadas, que quebram o monocromatismo dos solos. De um modo geral, os solos da região são pobres, de textura variável, argilo-arenosos, marcados por seixos (pequenas pedras roliças).


Solos com pedras e carbonato de cálcio, em San Patrício del Chañar.


O perfil dos vinhos

Os Pinots Noirs da Patagônia têm cor mais intensa que Pinots da Borgonha ou da própria Argentina. A mineralidade, vinda dos solos, é um dos descritores clássicos desses vinhos, frescos e macios. Os Merlots da Patagônia também merecem destaque. Têm frescor e maciez impressionante. São aveludados, com corpo agradável, bons para o copo e para a mesa. Os Malbecs têm mais acidez, são vivos, frescos. O mesmo que ocorre com brancos de Sauvignon e Chardonnay. Brancos com frescor e leque aromático muito agradáveis.


A área de tanques da Bodega del Fin del Mundo.


Grandes vinícolas manejam extensos vinhedos e produzem os vinhos da Patagônia. Visitamos sete vinícolas na região, algumas grandes e outras menores. Fomos gentilmente recebidos por enólogos e proprietários, que abriram seus vinhos e nos ofereceram o melhor da gastronomia regional. Nas próximas postagens, você vai conhecer cada uma dessas vinícolas e os perfis de seus vinhos. Com dicas de pratos para combinar com os vinhos. Nos acompanhe! Saúde!