quarta-feira, 24 de julho de 2013

Alvarinho da Campanha Gaúcha


Provei ontem o Alvarinho Quinta do Seival 2012, feito pela Miolo no município de Candiota, Campanha Gaúcha. Quem diria que o Brasil faria Alvarinhos! E esse ganhou tipicidade tupiniquim, com a predominância de notas olfativas de frutas tropicais. Em boca, conjugou agradável frescor e maciez, esta última resultante da fermentação e estágio do vinho por 10 meses em barricas novas de carvalho francês, sofrendo sucessivas bâtonnages (agitação das borras finas pós-fermentativas). Um processo menos comum no Minho e na Galícia, as grandes pátrias do Alvarinho. Mas também utilizado por alguns enólogos, que fermentam e estagiam seus Alvarinhos em madeira, em busca de outros estilos. O resultado, no caso desse Miolo, é um vinho gostoso, que harmonizou muito bem com uma "Quenelle de Peixe em Bisque de Camarões", preparado pela chef Joyce Francisco e sua equipe, no Joy Joy Bistrot, em Florianópolis. Uma noite em que foram apresentados por Adriano Miolo vários vinhos da vinícola, entre eles o Shiraz Testardi 2012, do Vale do São Francisco, e o Lote 43 safra 2011, da Serra Gaúcha. O jantar, em toda sequência, estava muito saboroso.

Sou fã da Alvarinho. Concordo com o crítico português Rui Falcão: essa é uma das grandes uvas brancas do mundo, ao lado da Chardonnay, Sauvignon, Chenin Blanc e Gewürztraminer. No Minho seus vinhos são frutados, cítricos, florais e minerais, com boca fresca e intensa. Na Galícia, são frescos, frutados, cítricos, igualmente intensos. Já provei Alvarinhos feitos no Douro e até no Alentejo. O Uruguai, mais especificamente a família Bouza, faz um Alvarinho muito gostoso também aqui pelo Cone Sul. Uma casta que envelhece muito bem.

Tive a honra de poder integrar o juri do Alvarinho International Wine Challenge 2011, realizado em Melgaço, no Minho, Portugal. Numa degustação, dentro da programação, fomos brindados com Alvarinhos com idades de até 19 anos (matéria "Alvarinho, Vinhos com Vocação para a Guarda", no joaolombardo.blogspot.com). Entre os vinhos estavam algumas safras do Soalheiro e Dona Paterna. Todos fantásticos. Minerais, provocativos, intensos e com a acidez muito viva. Gosto muito dos Alvarinhos de Anselmo Mendes, um dos enólogos portugueses que conhecem profundamente e trabalham muito bem as qualidades dessa casta. Aliás, Anselmo anda pela Campanha Gaúcha e pela serra de Santa Catarina, onde presta assessoria para as vinícolas da família Hermann, proprietária da importadora Decanter, de Blumenau. Então, vou fazer uma torcida: que venham mais Alvarinhos brasileiros para, ao lado dos vinhos de além mar, possibilitarnos conhecer as várias características dessa uva pelo mundo!

sábado, 20 de julho de 2013

Evolução e Revolução na Vitivinicultura Chilena



Vinhedos da Vik, em Milahue, Colchagua (foto de divulgação)

A vitivinicultura chilena vive um período de grande movimentação e transformações, mudanças que se intensificaram nos últimos cinco anos. País de vitivinicultura tradicional, com mais de 450 anos, os produtores andinos decidiram, neste milênio, investir em novos estilos de vinhos. Eles começaram a plantar uvas em regiões mais frescas, áreas costeiras, vales extremos e zonas aos pés da cordilheira dos Andes. Os resultados estão sendo vistos em vinhos com maior expressão de fruta e menores teores alcoólicos, por exemplo. E em varietais como Sauvignon Blanc, Pinot Noir, Carignan, Petit Verdot  e Syrah, castas que até meados da década passada tinham pouca ou nenhuma expressão no país.

“A tendência no Chile, hoje, é buscar zonas diferentes. Atualmente, as zonas frias estão em alta, principalmente aquelas próximas à costa”, afirma Joana Pereira, enóloga da viña Bisquertt Family Vineyards. Localizada no Vale de Colchagua, a empresa cultiva as castas clássicas francesas e produz as linhas de vinhos Petirrojo Reserva, La Joya, Ecos de Rulo Single Vineyard, o corte Clay Syrah/Cabernet Sauvignon e o Tralca, um corte de Cabernet, Carménère e Syrah. Até quatro anos atrás, La Joya era a única marca da empresa. Mas a Bisquertt está investindo forte nesse novo momento.

Errazuriz (arquivo de João Lombardo)

Na centenária Errazuriz não é diferente. A empresa, responsável por marcas importantes como Seña, Aborleda, Viña Chadwick e Caliterra, além da própria Errazuriz, atravessa uma fase de mudanças, nas palavras do enólogo Pedro Contreras. “Está havendo uma evolução e uma revolução no Chile. Está ocorrendo a busca por lugares extremos para produzir vinhos de caráter”, afirma. Para Contreras, aconteceram mudanças importantes nos últimos três anos, no país. Essas mudanças estão alterando o perfil de parte dos vinhos chilenos, normalmente muito estruturados e marcados pelas notas vindas das barricas novas de carvalho. Estudos de solo estão dentro dessa fase de aprendizado, nesse novo momento. Assim como a melhor utilização da irrigação, das barricas etc.

Na também centenária Viña Santa Carolina, além da aposta nos vales mais frescos, está se investindo na renovação de castas antigas, como a Carignan. A vinícola tem no mercado seu Santa Carolina Dry Farming Carignan 2009, elaborado com uvas do Vale de Cauquenes. Os vinhedos estão a 450 km ao sul de Santiago, no chamado “secano costeiro”. As vinhas são antigas, têm cerca de 70, 80 anos e não são irrigadas. Elas também não têm condução, são pequenos arbustos, chamados de vaso, na Espanha, ou alberello, na Itália. O resultado é um vinho muito fresco, repleto de frutas vermelhas, notas de pinheiro e especiarias doces. Um vinho frutado, em boca, com corpo agradável e taninos leves.

“Essa é uma variedade potencial. Mas a produção é muito pequena. É, portanto, um vinho para mercados diferentes”, afirma o enólogo Iván Martinovic T, da Santa Carolina. A vinícola também investe em um vinho de Mourvèdre e ainda nas castas Syrah e Petit Verdot, como varietais.

 Chilcas País (foto arquivo de João Lombardo)

A Via Wines, no Vale do Maule, é outra empresa que busca dar vida nova à uva País, também conhecida como “Criolla” na Argentina. A bodega tem um varietal sob o rótulo Chilcas feito com a uva cultivada no interior do Vale do Maule. A casta, que seria a mesma Listán Prieto espanhola, foi introduzida no Chile no século XVI. E hoje é tratada como uma uva dos velhos tempos. “Queremos recuperar essa variedade, para fazer um vinho que seja rico”, afirma o enólogo chefe da bodega, Camilo Viani. O vinho produzido com ela é agradável, frutado, com sutis notas de especiarias como a pimenta e toques terrosos. Tem boa acidez, médio corpo e taninos presentes, sem serem agressivos. O resultado ficou bom. Miguel Torres, nome famoso na vitivinicultura chilena, também tem um espumante à base de País. Empresas quebrando o preconceito, provocando uma reviravolta na viticultura de seu país.

Em outra vinha muito antiga, a Santa Rita, a enóloga Cecília Torres afirma que o Chile tem grande potencial para fazer coisas diferentes. “Estamos como os adolescentes, numa busca constante. E vai chegar uma hora em que atingiremos a maturidade. E então teremos uma personalidade Chile”, afirma a enóloga. Ao comentar sobre a volta da Carignan, ela disse achar interessante os vinhos dessa casta produzido em áreas costeiras. Cecília acredita haver espaço para outras uvas no país. Por exemplo, para castas portuguesas. Segundo a enóloga, o sul do Chile é uma direção importante para os viticultores. “Temos que nos mover para lá”, sugere.

Apesar de falar em novas uvas, Cecília Torres faz questão de mencionar a casta da tradição chilena, o Cabernet Sauvignon. “Trata-se de uma uva muito completa e complexa. Uma casta de muita elegância e potencial para envelhecer, que pode parar em qualquer mesa do mundo”. Essa é uma grande uva para a Santa Rita, que gera vinhos que contruíram o nome e o prestígio da casa. E também para o Chile. O Cabernet Sauvignon chileno é um vinho com personalidade própria, agradável, com caráter. O que não impede as empresas de investirem em outras uvas e ousar.

 Vinhedos de Carménère na Vik (foto de divulgação)

Até mesmo o Carménère é alvo de mudanças. Casta que gera vinhos com notas remetendo a frutos maduros, especiarias e toques vegetais, algumas bodegas estão produzindo Carménères mais frescos, com fruta viva e praticamente sem o tradicional herbáceo que faz parte do perfil organoléptico dos vinhos. É o caso da Viña Maquis, localizada no Vale de Colchagua. Os 140 hectares de vinhedos da empresa estão localizados entre os rios Tinguiririca e Chimbarongo. “É um lugar único. Os solos têm alto conteúdo de argila com gravas, que asseguram excelente drenagem”. afirma Ricardo Rivadeneira Hurtado, enólogo e diretor da empresa.  Segundo ele, essa condição permite à uva Carménère amadurecer mais cedo e, portanto, ser colhida também mais cedo. No Chile, a Carménère costuma ser colhida até maio. Na Maquis, a colheita ocorre em março.

“Aqui os Carménères são especiais”, acrescenta Hurtado. “A maioria dos Carménères do Chile está representada por vinhos maduros, com taninos redondos e gosto mais a geléia do que a fruta fresca. No nosso caso, buscamos vinhos frescos, com mais aromas frutados e florais, grau alcoólico menor e acidez natural um pouco mais elevada”, afirma o enólogo. Um estilo de Carménère diferente.

Patrick Valette (ex-Château Pavie) e Gonzague de Lambert (ex-Château de Sales) estão trabalhando na produção de um vinho de alta qualidade no Vale de Cachapoal, o Vik. Uma vinícola de propriedade do empresário norueguês Alexandre Vik, instalada dentro de uma área de 4.325 hectares. Um vinhedo de 390 hectares que, para ser plantado, aguardou a realização de 4.500 perfurações, em diferentes áreas da propriedade, para análises de solo. O objetivo era encontrar os melhores microterrenos para cultivar cada variedade. Ali estão plantados Cabernet Sauvignon, Carménère, Cabernet Franc, Merlot e Syrah. Uvas utilizadas na produção do Vik, um vinho de assemblage elaborado através de uma vitivinicultura de precisão.

 O Vik (foto de divulgação)

“O Chile tinha vinhos mais industriais, necessários. O país ofereceu e oferece muitos bons produtos, por preços razoáveis. Mas, ao mesmo tempo, o Chile está passando por uma evolução”, afirma Patrick Valette. O enólogo comenta que todo mundo está acostumando a olhar o Chile de Norte a Sul. Ele prefere ver o país de Leste a Oeste. Ou seja, analisar o país vitícola sob o ponto de vista da influência do Oceano Pacífico e da Cordilheira dos Andes sobre as vinhas. Para o enólogo, essa influência é mais importante para a vitivinicultra, a que faz a diferença no quesito terroir.

Patrick Valette afirma que, hoje, os profissinais do vinho no Chile respeitam muito mais o conceito de terroir que no passado. “Eu diria que hoje há um conhecimento e uma prática do conhecimento”, afirma. Segundo ele, o país se transformou num produtor muito estruturado e profissional. “O resultado é um trabalho muito mais preciso do que no passado”. A Vik é um exemplo. E também os vinhos de vinícolas que estão investindo nessa nova fase. Vinhos, como se disse, mais frescos e frutados, menos alcoólicos, mais gastronômicos. Um país vitivinícola consolidado, num processo de redescobrimento e transição.

(Matéria escrita por mim e publicada no jornal Vinho & Cia, na edição Inverno 2013)



quinta-feira, 4 de julho de 2013

"Lisbon Revisited": Café Nicola



O Café Nicola é um dos lugares emblemáticos de Lisboa. Ele fica no Rossio e, sentado junto a uma de suas mesas, do lado de fora, é possível admirar as muralhas do Castelo de São Jorge e a região da Baixa Lisboeta. E, ali, provar algumas delícias portuguesas, como uma boa fatia de queijo cremoso da Serra da Estrela, de entrada. E o Bacalhau a Nicola, prato da casa, onde uma posta alta e bem assada de bacalhau chega à mesa mergulhada em suculento e saboroso molho de natas, guarnecida com batatas crocantes. E, claro, acompanhada de um (ou uns?) bom copo de vinho. 

Foi um italiano de nome Nicola o primeiro dono do estabelecimento, conhecido, inicialmente, como Botequim do Nicola. Escritores, poetas, artistas e malditos tornaram-se habitués do local. Entre eles, Manuel Maria Barbosa du Bocage, o famoso poeta Bocage. Nos fundos do salão interno do café há uma estátua do Bocage, sobre um pedestal alto. Também conhecido como o Boca do Inferno, Bocage escreveu sátiras mordazes contra tudo e todos. Satirizou, inclusive, situações envolvendo ele próprio. Conta-se que certa noite, tendo saído do Nicola, foi abordado por um homem que, com uma arma em punho apontada para ele, perguntou: "quem és, de onde vens, p'ra onde vais"? Bocage, com a irreverência de sempre, teria respondido: "sou o poeta Bocage, venho do Café Nicola e vou para o outro mundo se disparas a pistola". Uma pitada de bom humor, que faz parte das histórias que cercam o agradável Café Nicola, com seu gostoso cardápio e boa carta de vinhos, na movimentada área central de Lisboa!